O NOIVADO DO SEPULCRO
BALADA
de Soares de Passos (1826-1860)
Vai alta a lua! na mansão da morteJá meia-noite com vagar soou;Que paz tranquila; dos vaivéns da sorteSó tem descanso quem ali baixou.Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longeFunérea campa com fragor rangeu;Branco fantasma semelhante a um monge,D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celesteCampeia a lua com sinistra luz;O vento geme no feral cipreste,O mocho pia na marmórea cruz.Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espantoOlhou em roda... não achou ninguém...Por entre as campas, arrastando o manto,Com lentos passos caminhou além.Chegando perto duma cruz alçada,Que entre ciprestes alvejava ao fim,Parou, sentou-se e com a voz magoadaOs ecos tristes acordou assim:"Mulher formosa, que adorei na vida,"E que na tumba não cessei d'amar,"Por que atraiçoas, desleal, mentida,"O amor eterno que te ouvi jurar?"Amor! engano que na campa finda,"Que a morte despe da ilusão falaz:"Quem d'entre os vivos se lembrara ainda"Do pobre morto que na terra jaz?"Abandonado neste chão repousa"Há já três dias, e não vens aqui..."Ai, quão pesada me tem sido a lousa"Sobre este peito que bateu por ti!"Ai, quão pesada me tem sido!" e em meio,A fronte exausta lhe pendeu na mão,E entre soluços arrancou do seioFundo suspiro de cruel paixão."Talvez que rindo dos protestos nossos,"Gozes com outro d'infernal prazer;"E o olvido cobrirá meus ossos"Na fria terra sem vingança ter!- "Oh nunca, nunca!" de saudade infindaResponde um eco suspirando além...- "Oh nunca, nunca!" repetiu aindaFormosa virgem que em seus braços tem.Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,Longas roupagens de nevada cor;Singela c'roa de virgínias rosasLhe cerca a fronte dum mortal palor."Não, não perdeste meu amor jurado:"Vês este peito? reina a morte aqui..."É já sem forças, ai de mim, gelado,"Mas inda pulsa com amor por ti."Feliz que pude acompanhar-te ao fundo"Da sepultura, sucumbindo à dor:"Deixei a vida... que importava o mundo,"O mundo em trevas sem a luz do amor?"Saudosa ao longe vês no céu a lua?- "Oh vejo sim... recordação fatal!- "Foi à luz dela que jurei ser tua"Durante a vida, e na mansão final."Oh vem! se nunca te cingi ao peito,"Hoje o sepulcro nos reúne enfim..."Quero o repouso de teu frio leito,"Quero-te unido para sempre a mim!"E ao som dos pios do cantor funéreo,E à luz da lua de sinistro alvor,Junto ao cruzeiro, sepulcral mistérioFoi celebrado, d'infeliz amor.Quando risonho despontava o dia,Já desse drama nada havia então,Mais que uma tumba funeral vazia,Quebrada a lousa por ignota mão.Porém mais tarde, quando foi volvidoDas sepulturas o gelado pó,Dois esqueletos, um ao outro unido,Foram achados num sepulcro só.- - - « « « «» » » » - - -
[1] Gravura de http://www.leonc.net/histoire/ballon/ballon.htm. Porque seleccionei esta gravura? Por três razões: a) a página correspondente conta uma história tétrica do balonismo; b) as épocas, mais ou menos, correspondem-se; c) a imagem desolada da gravura "bate certo" com o desolado da balada. Havia uma outra gravura possível e mais directa, com dois esqueletos arranjados numa tumba: achei-a, porém, de mau gosto - para já, salva seja esta opinião meramente pessoal, por me parecer dobrar aquela fronteira ténue e essencial, que separa o erotismo (na balada) da sugestão pornográfica (na montagem). "Et voilá!".
posted by LdS @ 00:16
1 Comments:
BALADA
de Soares de Passos (1826-1860)
Vai alta a lua! na mansão da morteJá meia-noite com vagar soou;Que paz tranquila; dos vaivéns da sorteSó tem descanso quem ali baixou.Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longeFunérea campa com fragor rangeu;Branco fantasma semelhante a um monge,D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celesteCampeia a lua com sinistra luz;O vento geme no feral cipreste,O mocho pia na marmórea cruz.Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espantoOlhou em roda... não achou ninguém...Por entre as campas, arrastando o manto,Com lentos passos caminhou além.Chegando perto duma cruz alçada,Que entre ciprestes alvejava ao fim,Parou, sentou-se e com a voz magoadaOs ecos tristes acordou assim:"Mulher formosa, que adorei na vida,"E que na tumba não cessei d'amar,"Por que atraiçoas, desleal, mentida,"O amor eterno que te ouvi jurar?"Amor! engano que na campa finda,"Que a morte despe da ilusão falaz:"Quem d'entre os vivos se lembrara ainda"Do pobre morto que na terra jaz?"Abandonado neste chão repousa"Há já três dias, e não vens aqui..."Ai, quão pesada me tem sido a lousa"Sobre este peito que bateu por ti!"Ai, quão pesada me tem sido!" e em meio,A fronte exausta lhe pendeu na mão,E entre soluços arrancou do seioFundo suspiro de cruel paixão."Talvez que rindo dos protestos nossos,"Gozes com outro d'infernal prazer;"E o olvido cobrirá meus ossos"Na fria terra sem vingança ter!- "Oh nunca, nunca!" de saudade infindaResponde um eco suspirando além...- "Oh nunca, nunca!" repetiu aindaFormosa virgem que em seus braços tem.Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,Longas roupagens de nevada cor;Singela c'roa de virgínias rosasLhe cerca a fronte dum mortal palor."Não, não perdeste meu amor jurado:"Vês este peito? reina a morte aqui..."É já sem forças, ai de mim, gelado,"Mas inda pulsa com amor por ti."Feliz que pude acompanhar-te ao fundo"Da sepultura, sucumbindo à dor:"Deixei a vida... que importava o mundo,"O mundo em trevas sem a luz do amor?"Saudosa ao longe vês no céu a lua?- "Oh vejo sim... recordação fatal!- "Foi à luz dela que jurei ser tua"Durante a vida, e na mansão final."Oh vem! se nunca te cingi ao peito,"Hoje o sepulcro nos reúne enfim..."Quero o repouso de teu frio leito,"Quero-te unido para sempre a mim!"E ao som dos pios do cantor funéreo,E à luz da lua de sinistro alvor,Junto ao cruzeiro, sepulcral mistérioFoi celebrado, d'infeliz amor.Quando risonho despontava o dia,Já desse drama nada havia então,Mais que uma tumba funeral vazia,Quebrada a lousa por ignota mão.Porém mais tarde, quando foi volvidoDas sepulturas o gelado pó,Dois esqueletos, um ao outro unido,Foram achados num sepulcro só.- - - « « « «» » » » - - -
[1] Gravura de http://www.leonc.net/histoire/ballon/ballon.htm. Porque seleccionei esta gravura? Por três razões: a) a página correspondente conta uma história tétrica do balonismo; b) as épocas, mais ou menos, correspondem-se; c) a imagem desolada da gravura "bate certo" com o desolado da balada. Havia uma outra gravura possível e mais directa, com dois esqueletos arranjados numa tumba: achei-a, porém, de mau gosto - para já, salva seja esta opinião meramente pessoal, por me parecer dobrar aquela fronteira ténue e essencial, que separa o erotismo (na balada) da sugestão pornográfica (na montagem). "Et voilá!".
posted by LdS @ 00:16
1 Comments: